segunda-feira, outubro 15, 2007
Mais anormalidades
Desmonto a vida em imagens, em pequenas cenas que, para mim, representam acções, sentimentos e palavras. Como uma cor pode sugerir um estado de espírito para muitos, uma pessoa nua e carbonizada num campo deserto de gelo mostram uma amálgama de sentimentos para mim. Vejo as coisas que sinto mas nunca sei aquilo que sinto realmente. A abstracção é contínua e vazia dum sentido lógico, as imagens sucedem-se repetida e teimosamente sem deixar palavra do que me querem dizer. Vejo-as, vivo-as e deixo-as fluir para que saiam, mas ficam.
Vejo um homem costurado, feito de muitos bocados que não são seus. O seu corpo foi irremediavelmente adulterado pelas camadas de pele diferente que compõe a aberração que ele é hoje. Nalguns retalhos a precisão e o cuidado quase cirúrgicos traduzem um carinho especial. Parece que cuida daquele pedaço duma maneira diferente e terrivelmente contrastante com o traçado irregular dos pontos infectados daquilo que não quis por em si por vontade própria. Os osso das canelas e as rótulas estão agora visíveis, mostram um desgaste rastejante por medos e incertezas que o reduziram à prostração. Terá de procurar mais bocados para remendar o que parece irremediável.
Na dor constante que o agonia já não existe manifestação, faz parte dele como a necessidade de respirar ou beber, alerta-o e mantêm-no de guarda dos perigos que só ele percepciona. Cego de realidade caminha sem rumo e sem sonho, caminha porque acha que deve caminhar e vive porque assim se tem proporcionado.
A alma já não habita a carcaça decadente e despersonalizada, observa-o dum plano superior com dó daquela mente sem esperança. Por trás de si arrastam-se fluidos, fios e tubos que se prendem ao novelo que o envolve e vive por ele com impulsos e ruídos metálicos duma máquina que ainda o quer para si.
Há-de cair... chegará finalmente ao fim e será parte doutra manta de retalhos, num outro sítio qualquer.
D.M.
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1 comentário:
Tens razão.
A nossa vida é uma sucessão de imagens, de flashes, de pedaços de tempo que se acumulam na nossa pele.
Nós é que pomposamente achamos que somos actores quando na verdade somos meros espectadores sem qualquer influência no decorrer da acção!
Abraço
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