segunda-feira, abril 21, 2008

Traição


Sinto-me como as muralhas mudas e destruídas após uma investida bem sucedida ao castelo. Das ruínas apenas se vislumbra nos restos fumegantes a outrora grandiosa cidade que ali se abrigava. Como em lendas de outros tempos, fui traído por alguém que julgava me proteger, alguém que receoso abriu a porta das traseiras e permitiu a barbárie que se desencadeou logo a seguir. Largamente superado pelo enxame caótico que semeava destruição a cada paço, isolado da sanidade que ardia ali ao canto, indefesa, insurgi-me como um escorpião rodeado por chamas, procurando o fim e provocando a dor e frustração no invasor...
A confusão era legítima, o pânico era puro, intenso, mas não havia qualquer intenção de me destruir. O meu amigo monstro, abriu as portas dos calabouços e não das traseiras, não permitiu a entrada mas sim a saída de algo nefasto esquecido nas catacumbas... os demónios avançaram sobre os meus olhos vendando-os, empurrando-me gentilmente na direcção do meu fim, amarrando fios nos meus pulsos que, cortantes, faziam de mim uma macabra marioneta. Fiquei assim por alguns instantes, senti-me perdido e à mercê do medo e da ilusão, soube o que se seguiria e por um segundo ansiei o fim. Mas uma voz rompeu o encantamento, a marcha melancólica e repetitiva estava agora silenciada e caia como uma tonelada de pedras sobre a minha cabeça.
Fiquei prostrado e derrotado perante o que havia feito.

O meu monstro traiu-me, deixou-os sair de onde nunca deveriam ter saído, deixou-os rasgar em pedaços irrecuperáveis o que havia construído até ali. Olho-o agora com desdém na sua figura patética e arrependida, a um canto que pelas suas linhas rectas sobressai a disformidade da criatura. O teu dever era manter-me seguro, entre os dois mundos, agora ou eu que tem a chave e poderás apenas assistir ao que faço, ficarás sozinho...

D.M.