quinta-feira, junho 30, 2011

Boca seca

Ainda era noite...

A realidade cortou-lhe as pálpebras no efémero encadeamento dum qualquer carro perdido.
Ainda segurava na sua mão esquerda a fria garganta do impuro. A sua mão direita, outrora aquecida pelos fluidos que jorraram abundantemente das entranhas pútridas, jazia gelada e una com os restos ressequidos.

Perdeu um momento para admirar a sua presa, deslumbrou-se com a facilidade com que deu fim à periclitante existência daquela carcaça. Mas este era impuro, merecia... mas não era merecedor dos seus esforços, não era uma presa condigna... mas estava feito, e bem feito!
O turbilhão que o tomara estava agora apaziguado, despido de remorsos e silencioso deliciava-se com a overdose de adrenalina que havia tomado. Não sabia o seu nome, nem porque o conseguiu distinguir dos demais, sabia que apenas que o seu fim era naquele momento. Mirou-o mais uma vez antes de cambalear pelas sombras omnipresentes das ruas nocturnas.
A cada passo que dava, o vento varria-lhe as orelhas com sussurros incompreensíveis. Laminas frias de ar deixavam-lhe a pele castigada, lembravam-lhe da fragilidade da vida, faziam-lhe engolir em seco ao ansiar o próximo encontro.
O vento acompanhou-o até à sua porta, indiferente. Ficou ali parado, inerte a olhar fixamente a porta, à fronteira entre o terreno de caça e o seu abrigo.
...
O vento voltou-lhe a sussurrar... desta vez ele compreendeu.
...
Contornou a casa até ao pátio nas traseiras e lavou as mãos na torneira do jardim. Foi com prazer que acolheu a dor da água gelada nas suas mãos, ainda estava vivo, sentia a dor, a vida só existe se se sentir dor.
Os seus lábios há muito igualaram a boca na secura provocada pelo frio, sabia que cedo sentiria o salivar ao vislumbrar a próxima presa... estava insaciável, a fome não o deixava dormir!
...
Determinado e encorajado pelas sugestões de Éolo, pisou determinado as sombras omnipresentes das ruas nocturnas... Alguém iria deixar de sentir dor ainda naquela noite.

terça-feira, junho 28, 2011

Passeio pelos caminhos da demência



Estava cansado... tinha tido um dia longo e recheado de actividades repetitivas e acéfalas. O seu íntimo ansiava por algo mais, por algo que fizesse o seu coração bater mais depressa, pela adrenalina a encharcar os seus sentidos a atear chamas profanas em cada músculo do seu corpo...

Mas estava tão cansado...

Depois de resistir por mais alguns minutos, despiu a pele do dia-a-dia e recolheu-se no seu leito gelado e só. Havia muito tempo que deixara de sentir o calor de alguém a seu lado, tinha apenas o frio, o frio que o acompanhava teimosamente a cada início de noite e o traia com a chegada do calor do seu corpo ausentando-se para o lado vazio do colechão que recebia, gemendo por vezes, o seu corpo esgotado.

O seu desagrado depressa deu lugar à avalanche que fez sucumbir as suas pálpebras ao peso do sono merecido. Tinha acabado o dia, nada de mais tinha acontecido, estava vazio... as trevas tomaram conta da consciência.

Já dormia profundamente... sentia no interior da sua cabeça o pulsar lento mas poderoso do músculo incessante. Aos seus olhos fechados surgia o caminho, passo a passo, a sair de casa.

Sentia-se particularmente forte naquele momento, os seus dedos pareciam ter-se banhado em metal fundido que lhos queimara conferindo-lhes no entanto a dureza do aço.

Cambaleou pelas ruas doentes de icterícia, silenciosas, despidas de gente. Sentia uma necessidade animal de caçar.

Numa qualquer rua comercial ouviu passos arrastados num beco que guardava nas suas entranhas os desperdícios duma humanidade que já não quer saber. Apressou o seu passo... sem se fazer ouvir, claro! Estava a caçar...

Espreitou o trato imundo que lhe revelou a silhueta de alguém que resolvera arrastar um pobre diabo inconsciente para que fosse consumido na imundice. Atirou-o para o chão com desdém, procurou cada compartimento da sua pele da noite em busca do vil papel. Precisava de satisfazer o animal em si, não o mesmo que fazia caçar, este animal tinha nascido de perfurações com aço que despejavam ilusões para o corpo e o faziam crescer a cada dia.

Este escravo do animal já teria esgotado as suas fontes para ter de despojar um qualquer herbívoro que por ali circulava, de todas as suas posses transaccionáveis.

O bater incessante na cabeça aumentou em volume, força e intensidade. Queria caçar o impuro que fitava com desprezo. Este impuro não caçava para alimentar a sua fome, destruía o que bem lhe apetecesse se lhe pusesse um pouco mais próximo do seu sustento, do seu esteróide de crescimento.

Faltavam apenas 6 segundos...

1...2... Os seus músculos contraíram-se duma forma quase felina antes do golpe final...

3...4...5... Escolhe a sombra para escapar à visão periférica do impuro...

6! Avança num salto sem espaço para qualquer reacção! Com a mão esquerda constritora no seu pescoço, esmaga ruidosamente as suas costas contra a parede!

O impuro sucumbe aos instintos errados de auto preservação agarrando a sua mão que agora sente o colapsar da traqueia... a sua camisola gasta revela o seu abdómen despido, incolor, magro,. Num movimento rápido acaba com a sua triste existência, carrega sobe o seu estomago sentindo o quente rasgar da sua pele... olha-o nos olhos ao ver esvair-se o imundo do seu der, aguarda o seu fim num silêncio forçado enquanto lhe segreda: "Estás livre!"

...

Aguarda enquanto sente o calor a esvair-se com os seus fluidos que agora trocaram o interior do impuro pela rudeza dos seus dedos

...

Inebriado, deixa o seu subconsciente tomar as rédeas do sono e de novo a escuridão se abate ...

...

Ainda dorme... mas está a sorrir...