
Ando meio cansado de usar infindáveis listas de figuras de estilo para descrever o que em mim se sente. Pregadores, freaks, imagens tétricas que iludem o olhar destreinado e afastam quem não vê por entre as linhas.
Fiquei alguns dias sem escrever uma única linha, sem "despejar" nada e o resultado foi conclusivo. Preciso de gritar o que me parece entorpecer. A porta que antes se abria ante os meus pedidos mais profundos e deixava ver mundos imaginários sem fim nem tabus ficou perra. Foi usada continuamente, em silêncio, sem que pensasse que um dia estaria danificada do uso indevido. Todos os dias forcei a entrada e fui ofuscado pelo dilúvio disforme e profano de tantas e tantas imagens silenciadas.
Fito a porta com algum receio de não ser capaz de aceitar o que carrego, de ter de a cuidar para que abra melhor e que feche rapidamente ao meu pedido. Ouço ainda o respirar do monstro que aguarda pacientemente pela minha vinda. Ao seu comando todos os outros recuam e esperam que chegue a sua vez. Ele sabe que o mundo real tem apertado a ferrugem nas dobradiças, que a cada palavra que escrevo dou espaço para me descolar mais uma vez daquilo que me rodeia, ele também sabe que a linha que me separa do seu mundo é fina e que por si só não é uma barreira. Imagino uma linha de giz desenhada no chão para a qual aponto e grito "daqui não passarás!". Tento acreditar que ele respeitará a fronteira e não chamará a sua orde para me arrastar para casa.
Parece-me que um dia fecharei de vez os olhos a este mundo e poderei então deixar-me ir para o lugar de onde surgi.
Não há pressa... o tempo é inevitável e certeiro.