terça-feira, janeiro 22, 2008
Dualidade deliciosa
Não será de certeza a última vez que sou encarado como sendo demasiado pessimista ou tendencialmente negro na minha escrita. Dou espaço para que o meu lado mais censurado tenha a sua voz, que tenha a sua expressão e que seja bem sucedido no descarregar do fardo que é o seu silêncio. Inúmeras vezes vi-me a censurar aquilo que sentia ser o que devia escrever em prol de valores que me sufocavam e me pediam para gritar mais baixinho, para evitar que usasse certas palavras ou expressões, para que fosse politica e moralmente correcto! Fiquei tão farto que quase rebentava e era engolido por camadas de hipocrisia e assim ia deixando o tempo passar e nenhuma outra letra saia deste teclado. Fiquei que tempos a fixar o monitor e a ler o que parecia nunca ter surgido da minha mente, sempre desconfiado da veracidade de tais textos.
Protestei dentro de mim contra mim! Clamei a alto e bom som a cobardia da minha atitude e senti-me quase adolescente de novo. Agora que sinto que os meus dois lados completamente distintos se tocam mais do que nunca e se definem como opostos totais, sinto-me mais rico, mais consciente da minha dualidade. Como posso permitir que o amor e a dor passeiem lado a lado num mundo só meu sem chão nem céu? Feito de pequenos cenários ora negros ora luminosos e cheios de esperança. Deixo a luz esgueirar-se por vezes no breu, mas depressa a recolho e deixo-me nadar livremente neste ouro negro. Cada gota deste lago deitei-a eu do meu sangue, da minha alma e do meu ser, cada recanto do chão contornado pelo líquido vil deixei-o eu que nascesse, cada tronco seco e despido matei-o eu para que se completasse a decadência. Pintei com as cores mais frias e cortantes o cenário que construía para deixar o meu monstro à solta. Dei-lhe recantos e portas e labirintos e um sem fim de túneis inacabáveis, sempre para que não se sentisse de novo amordaçado. Visitei-o vezes sem conta e sussurrou-me ao ouvido as terríveis imagens que um dia escrevi e outras que ainda não tive coragem. Ele sabe o que me tem que me dizer, sabe que eu devoro cada palavra e cada imagem e cada pensamento, sabe que eu os misturo numa fornalha de profanas chamas verdes. Dou-lhe voz e ele da-me paz...
Estamos sempre a pregar que não somo perfeitos, que temos que aceitar os outros com o que têm de bom e de mau, mas nem sequer somos capazes de o fazer connosco! Aceitem-se! Eu estou-me a aceitar.
D.M.
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2 comentários:
Muito bom!!
Das maiores conquistas que podemos alcançar é o aceitar de nós, em todas as vertentes.
Já lá dizia o anúncio de tv: se eu não gostar de mim, quem gostará?
Aceita-te como és, e essa paz, esse entendimento que sai de ti para ti mesmo irá transpirar em ti e tocar todos à tua volta.
Mesmo aqueles que não entendem esse teu lado lunar...
Olá!Andamos muito desencontrados nas janelas da net...Mas este teu textinho está tão claro, na descrição do teu processo de assimilação serena dos teus dois lados, que achei o máximo!Os contrastes do nosso mundo interno, são sempre estimulantes, e quando arriscamo percorrer os caminhos de luz e de sombra, da nossa humanidade mais profunda, é quase como olhar o céu cheio de estrelas ou de luar, (também li o teu outro texto...)Pode estar povoado de monstros ou de príncipes, mas È NOSSO!
Quem sabe, se no Carnaval tu nos podes mostrar mais uns personagens?Ninguém vai levar a mal, e nós vamos poder espreitar num texto, a riqueza do teu ser...
Beijo de Fim de semana
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