terça-feira, agosto 26, 2008

Estiveste sempre lá...


Apressei-me ao julgar-te traidor. Como um ignorante aproveitei a minha ira para te enviar para o fundo do poço mais remoto que consegui idealizar... Durante anos a fio segredaste-me como não podia deixar-me levar, que a emoção extrema é inimiga da razão, como seria fácil deitar tudo a perder. Foram precisos mais de 15 anos para me aperceber e lembrar como tinhas razão! Rugi alto e deixei que explodissem afluentes de ira e raiva contidos durante tanto tempo, derrubei muros e portões que guardavam o dique de profanidades que nunca deixei sair e prontamente enclausurei o meu alter-eu tão distorcido e feio como uma carranca, tão desprezado por tantos e apenas amado por mim.

Agora, com a serenidade que o tempo permitiu, olho para trás, vejo o que me quiseste dizer, sinto que afinal ainda tenho muito para aprender. Sei que juntos não vamos erguer mais muros ou portões, que vamos sim aprender com todas a criaturas vis, seres etéreos de chamas verdes, mantos negros de cegueira... eles vão sempre estar lá e contigo aprenderei como controla-los, como tu sempre o fizeste!

És disforme e repugnante, feres os sentidos dos que não te conhecem e nem por isso deixo de te aconchegar ao meu colo.

De ti esperava aquilo que proferi, fui aquilo que te chamam e não pareço, e tu foste o que eu aparento e chamo-te aquilo que fiz.

Obrigado pelo banho de humildade,

D.M.

sexta-feira, maio 16, 2008

Leeeeeento

Pareço cada vez mais um sério concorrente à "velocidade" deste animal. Não escrevo há imenso tempo e, sinceramente, já tenho saudades...
São tempos loucos, de muito cansaço e pouca disponibilidade mental para escrever o que quer que seja de jeito. Por isso, e porque acho que devo manter algum tipo de nível de "qualidade" vou-me abster de pronlogar mais este comentário...


Voltarei a dar notícias... decentes !


D.M.

segunda-feira, abril 21, 2008

Traição


Sinto-me como as muralhas mudas e destruídas após uma investida bem sucedida ao castelo. Das ruínas apenas se vislumbra nos restos fumegantes a outrora grandiosa cidade que ali se abrigava. Como em lendas de outros tempos, fui traído por alguém que julgava me proteger, alguém que receoso abriu a porta das traseiras e permitiu a barbárie que se desencadeou logo a seguir. Largamente superado pelo enxame caótico que semeava destruição a cada paço, isolado da sanidade que ardia ali ao canto, indefesa, insurgi-me como um escorpião rodeado por chamas, procurando o fim e provocando a dor e frustração no invasor...
A confusão era legítima, o pânico era puro, intenso, mas não havia qualquer intenção de me destruir. O meu amigo monstro, abriu as portas dos calabouços e não das traseiras, não permitiu a entrada mas sim a saída de algo nefasto esquecido nas catacumbas... os demónios avançaram sobre os meus olhos vendando-os, empurrando-me gentilmente na direcção do meu fim, amarrando fios nos meus pulsos que, cortantes, faziam de mim uma macabra marioneta. Fiquei assim por alguns instantes, senti-me perdido e à mercê do medo e da ilusão, soube o que se seguiria e por um segundo ansiei o fim. Mas uma voz rompeu o encantamento, a marcha melancólica e repetitiva estava agora silenciada e caia como uma tonelada de pedras sobre a minha cabeça.
Fiquei prostrado e derrotado perante o que havia feito.

O meu monstro traiu-me, deixou-os sair de onde nunca deveriam ter saído, deixou-os rasgar em pedaços irrecuperáveis o que havia construído até ali. Olho-o agora com desdém na sua figura patética e arrependida, a um canto que pelas suas linhas rectas sobressai a disformidade da criatura. O teu dever era manter-me seguro, entre os dois mundos, agora ou eu que tem a chave e poderás apenas assistir ao que faço, ficarás sozinho...

D.M.

quinta-feira, março 06, 2008

Interlúdio

Na infinidade do tempo somos partículas.
Sentimos a cada frase cortante a nossa insignificância.
A miséria e a má sorte são vistas como filmes e não são tomadas a sério.
O destino prega-nos a partida de se repetir pelos outros e por nós.
A cada passo, a cada decisão, vislumbramos o nosso objectivo sempre dois passos à frente.
Não estou capaz de ver as coisas com outros olhos.
As coisas são o que são e são uma merda.
Por vezes temos de cheirar o fedor que emana da vida.
Deixar de disfarçar com perfume o que sempre cheirou mal.
Provar do fel que nos dão todos os dias a beber.
Dar muito mais valor às pessoas que realmente importam para nós.
Dar muito mais valor aos momentos de felicidade.
Tatuar na alma as gargalhadas dum filho.
Ensurdecer com o respirar suave duma criança adormecida.
Partir a campânula que nos isola da realidade e toma-la em doses pequenas.
Desprezar a mesquinhez de pessoas pequenas que só se fortalecem com o sofrer alheio.
Olha-los enquanto falam, ver as suas bocas imundas mexer e ouvir apenas aquele respirar.
Vê-los vociferar imundices e encher a sala com as gargalhadas.
O mundo pertence aos impuros, mas a nós pertence-nos a alma.
Dentro de nós não há limites, a força enaltece-nos.
Por fora os sentidos embriagam-se com ilusões.

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

Longe de mim


São precisos dias incessantes de coisas desinteressantes, de actividades estupidificantes, de caras repetitivas, de máscaras plagiadas, de tumores que não se vêem mas que nos comem por dentro, para darmos valor a este nosso cantinho.
Confesso-me afastado de mim estes dias. Mas não sabia que precisava deste meu refugio como afinal preciso. Fiquei baralhado com a anestesia da rotina que teimava em me reclamar para as suas fileiras que engrossam de dia para dia, resisti...
Não queria ver que, a pouco e pouco, perdia o contacto comigo, perdia o sentido das coisas que tanto tempo me levaram a enxergar.
Mas resisti, tento voltar à exploração em que me empenhava. Vou descobrir mais, vou voltar ainda com mais força.
Pode-se dizer que agora nunca mais poderei desistir de mim.

D.M.

quinta-feira, janeiro 24, 2008

Superfície

Não resisti ao luar. Tive de deixar as profundezas hoje para admirar uma lua cheia, amarelada envolta num véu de névoa que estende a sua luz ainda mais longe. A noite deixa de ser silenciosa e as luzes mesmo dos pontos mais distantes do universo cantam e dançam deixando rastos na memória. Fito o céu olhando o passado que pertenceu ao amanhecer da humanidade, e a um tempo em que ainda não existíamos. Fico mais e mais pequeno, fico insignificante, não percebo o meu papel nesta grandeza das coisas...
Imagino fixar o firmamento uma eternidade de noites, memorizando o percurso de cada furo luminoso no manto negro que me cobre. Fico imenso, sem principio nem fim, sem dor nem carência, sem ansiedade, apenas com o olhar fixo nos desdobrar de cada ponto em milhões de novos pontos até à dispersão me deixar de vez nas trevas. Flutuo alheio ao destino da humanidade, sem tempo.
Um arrepio dez-me recolher o pescoço para dentro da gola do casaco. Estou pequeno, infinitamente pequeno e não percebo o meu papel nesta grandeza das coisas.

D.M.

terça-feira, janeiro 22, 2008

Dualidade deliciosa


Não será de certeza a última vez que sou encarado como sendo demasiado pessimista ou tendencialmente negro na minha escrita. Dou espaço para que o meu lado mais censurado tenha a sua voz, que tenha a sua expressão e que seja bem sucedido no descarregar do fardo que é o seu silêncio. Inúmeras vezes vi-me a censurar aquilo que sentia ser o que devia escrever em prol de valores que me sufocavam e me pediam para gritar mais baixinho, para evitar que usasse certas palavras ou expressões, para que fosse politica e moralmente correcto! Fiquei tão farto que quase rebentava e era engolido por camadas de hipocrisia e assim ia deixando o tempo passar e nenhuma outra letra saia deste teclado. Fiquei que tempos a fixar o monitor e a ler o que parecia nunca ter surgido da minha mente, sempre desconfiado da veracidade de tais textos.
Protestei dentro de mim contra mim! Clamei a alto e bom som a cobardia da minha atitude e senti-me quase adolescente de novo. Agora que sinto que os meus dois lados completamente distintos se tocam mais do que nunca e se definem como opostos totais, sinto-me mais rico, mais consciente da minha dualidade. Como posso permitir que o amor e a dor passeiem lado a lado num mundo só meu sem chão nem céu? Feito de pequenos cenários ora negros ora luminosos e cheios de esperança. Deixo a luz esgueirar-se por vezes no breu, mas depressa a recolho e deixo-me nadar livremente neste ouro negro. Cada gota deste lago deitei-a eu do meu sangue, da minha alma e do meu ser, cada recanto do chão contornado pelo líquido vil deixei-o eu que nascesse, cada tronco seco e despido matei-o eu para que se completasse a decadência. Pintei com as cores mais frias e cortantes o cenário que construía para deixar o meu monstro à solta. Dei-lhe recantos e portas e labirintos e um sem fim de túneis inacabáveis, sempre para que não se sentisse de novo amordaçado. Visitei-o vezes sem conta e sussurrou-me ao ouvido as terríveis imagens que um dia escrevi e outras que ainda não tive coragem. Ele sabe o que me tem que me dizer, sabe que eu devoro cada palavra e cada imagem e cada pensamento, sabe que eu os misturo numa fornalha de profanas chamas verdes. Dou-lhe voz e ele da-me paz...
Estamos sempre a pregar que não somo perfeitos, que temos que aceitar os outros com o que têm de bom e de mau, mas nem sequer somos capazes de o fazer connosco! Aceitem-se! Eu estou-me a aceitar.

D.M.

quarta-feira, janeiro 09, 2008

Rebirth


Distância que me escorraça de mim, que me faz indefinido aos sentidos e torna-me numa silhueta difusa que se adivinha humana. Fico temente ao futuro que adivinho sem acreditar e anseio pelo alívio do fim, quer este me traga paz, nova vida ou vazio. Sinto-me no limiar dum qualquer foco que ilumina o caminho a todos, vejo-o e temo-o como se me queimasse a pele e me juntasse às fileiras de autómatos que engrossam a cada segundo que as vislumbro a desaparecer no horizonte. No meu canto escuro procuro o conforto da cegueira mas sou traído por quem o habita. Pouco a pouco sinto a pele a endurecer querendo-se tornar no exoesqueleto que outrora me privou da riqueza e sabor das emoções verdadeiras, boas e dolorosas. Fito passivamente o verme que me envolve na sua seda para que no casulo volte a ser o que fora outrora. Frio, escorre pelo meu braço deixando os seus fios, levando as minhas sensações na sua marcha fúnebre. Grito aos meus braços para que o atirem de vez para o abismo de onde nunca deveria ter ressurgido, sinto-me impotente mas com esperança numa luzinha pequenina que brilha... não me cega nem me leva para o rebanho de inconscientes, desbrava caminho pelos folhos de peles que outrora vesti e vejo-me no centro desta amálgama de células mortas feto, limpo, frágil e deslumbrante. Como pôde tal ser sobreviver a tudo a que o expus? Atrás dele o monstro olha pacientemente para mim enquanto tento compreender como renascer de tanta podridão. Olho-o nos olhos e adivinho o ser que soterrei naquele monstro porque quis que ficasse ao meu lado, o quanto o privei da vida e do saber para que guardasse a porta de todos os verdadeiros monstros que habitam a minha segura e silenciosa escuridão. Sempre tive o meu lado negro bem perto do coração, mas nunca me tinha apercebido que tinha lá entrado, deixado marcas e gasto tempo que nunca mais vou recuperar. Ele já percebeu que o quero deixar ir, para onde quiser, mas não me deixa. Protege-me desde sempre e agora quer ver-me renascer e ser aquele que na sua mudança o vai levar ao repouso... poderei pedir que esperes pelo meu despertar? Já esperaste tanto...

D.M.