Aqueles com espírito, com alma, com algo de especial... estão rodeados por uma amálgama de células e cadeias proteicas despidas de qualquer razão ou visão. Entorpecem-se cada vez mais os sentidos e apercebo-me da voz esvaída da criatura que me habita.
Tenho receio do que me diz. Aparece de repente, ressuscitada sabe-se lá bem porquê tenta abalar-me com a sua visão negra e distorcida do mundo. Mostra-me a biomassa "inteligente" que serpenteia pelos quatro cantos do mundo, a destruir-se em grande escala e a fazer toda a diferença numa escala aterrorizantemente menor. Estas criaturas desenvolveram mecanismos brutais para compensar o vazio a que obriga a vivência em massa. Despem-se de sentidos e enchem-se de coisas, rituais, protocolos, maneirismos, modas e estilos, sons e cores, reflexos e imagens... para além de tudo isso o primata dotado de "inteligência" não consegue, na generalidade, ver o que está a seus pés nem o que o rodeia duma forma tão íntima como faz o ar. O que outrora levou grandes mentes a descobrir, a se interrogar, a valorizar a bela complexidade que nos faz, não passa hoje de um conjunto de movimentos e acções involuntárias que dispensam qualquer reflexão.
Segredas-me a desgraça humana, descascas a pele e mostras a podridão que tomou o lugar da alma. Não acreditava na alma... agora quero acreditar. Tem de haver um objectivo maior, não podemos ser apenas uma fracção infinitamente pequena no ciclo eterno da matéria e dos mundos. Temos mentes, acreditamos (poucos), voamos com a a imaginação e fazemos outros nos seguirem, nos sorrirem. Vemos o que de bom cada um de nós tem e poderá ainda ser, levamos as vidas para a frente com fracções de tempo em que nos sentimos verdadeiramente humanos, únicos, ímpares.
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Depois paro.
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Vejo versões de nós cada vez mas distorcidas, poluídas pelo constante despejar de ilusões que criamos para nós próprios...
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Paro novamente...
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Eu amo! Esse amor que me eleva a um estado de vida, que me faz ver mais longe e mais fundo do que nunca. Esse amor que me segura, defende e mostra-me que afinal o que conta está bem perto, num espaço mais pequeno que o planeta, a ocupar um espaço maior que o universo inteiro. Este amor que me possui e me pertence, lava-me os olhos para ver que este amor tão insignificante perante o mundo e tão vasto como o inimaginável infinito, ilumina com um ponto onde estou a cada segundo. Existem milhões de pontinhos por esse mundo fora, biliões que dissipam a névoa da biomassa irracional que nos é forçada a ver.
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Ainda não parei definitivamente...
Ver-vos-ei muitas órbitas para o futuro...
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Obrigado meus amores, sei viver por vossa causa.
D.M.