Não resisti ao luar. Tive de deixar as profundezas hoje para admirar uma lua cheia, amarelada envolta num véu de névoa que estende a sua luz ainda mais longe. A noite deixa de ser silenciosa e as luzes mesmo dos pontos mais distantes do universo cantam e dançam deixando rastos na memória. Fito o céu olhando o passado que pertenceu ao amanhecer da humanidade, e a um tempo em que ainda não existíamos. Fico mais e mais pequeno, fico insignificante, não percebo o meu papel nesta grandeza das coisas...
Imagino fixar o firmamento uma eternidade de noites, memorizando o percurso de cada furo luminoso no manto negro que me cobre. Fico imenso, sem principio nem fim, sem dor nem carência, sem ansiedade, apenas com o olhar fixo nos desdobrar de cada ponto em milhões de novos pontos até à dispersão me deixar de vez nas trevas. Flutuo alheio ao destino da humanidade, sem tempo.
Um arrepio dez-me recolher o pescoço para dentro da gola do casaco. Estou pequeno, infinitamente pequeno e não percebo o meu papel nesta grandeza das coisas.
D.M.
quinta-feira, janeiro 24, 2008
terça-feira, janeiro 22, 2008
Dualidade deliciosa
Não será de certeza a última vez que sou encarado como sendo demasiado pessimista ou tendencialmente negro na minha escrita. Dou espaço para que o meu lado mais censurado tenha a sua voz, que tenha a sua expressão e que seja bem sucedido no descarregar do fardo que é o seu silêncio. Inúmeras vezes vi-me a censurar aquilo que sentia ser o que devia escrever em prol de valores que me sufocavam e me pediam para gritar mais baixinho, para evitar que usasse certas palavras ou expressões, para que fosse politica e moralmente correcto! Fiquei tão farto que quase rebentava e era engolido por camadas de hipocrisia e assim ia deixando o tempo passar e nenhuma outra letra saia deste teclado. Fiquei que tempos a fixar o monitor e a ler o que parecia nunca ter surgido da minha mente, sempre desconfiado da veracidade de tais textos.
Protestei dentro de mim contra mim! Clamei a alto e bom som a cobardia da minha atitude e senti-me quase adolescente de novo. Agora que sinto que os meus dois lados completamente distintos se tocam mais do que nunca e se definem como opostos totais, sinto-me mais rico, mais consciente da minha dualidade. Como posso permitir que o amor e a dor passeiem lado a lado num mundo só meu sem chão nem céu? Feito de pequenos cenários ora negros ora luminosos e cheios de esperança. Deixo a luz esgueirar-se por vezes no breu, mas depressa a recolho e deixo-me nadar livremente neste ouro negro. Cada gota deste lago deitei-a eu do meu sangue, da minha alma e do meu ser, cada recanto do chão contornado pelo líquido vil deixei-o eu que nascesse, cada tronco seco e despido matei-o eu para que se completasse a decadência. Pintei com as cores mais frias e cortantes o cenário que construía para deixar o meu monstro à solta. Dei-lhe recantos e portas e labirintos e um sem fim de túneis inacabáveis, sempre para que não se sentisse de novo amordaçado. Visitei-o vezes sem conta e sussurrou-me ao ouvido as terríveis imagens que um dia escrevi e outras que ainda não tive coragem. Ele sabe o que me tem que me dizer, sabe que eu devoro cada palavra e cada imagem e cada pensamento, sabe que eu os misturo numa fornalha de profanas chamas verdes. Dou-lhe voz e ele da-me paz...
Estamos sempre a pregar que não somo perfeitos, que temos que aceitar os outros com o que têm de bom e de mau, mas nem sequer somos capazes de o fazer connosco! Aceitem-se! Eu estou-me a aceitar.
D.M.
quarta-feira, janeiro 09, 2008
Rebirth
Distância que me escorraça de mim, que me faz indefinido aos sentidos e torna-me numa silhueta difusa que se adivinha humana. Fico temente ao futuro que adivinho sem acreditar e anseio pelo alívio do fim, quer este me traga paz, nova vida ou vazio. Sinto-me no limiar dum qualquer foco que ilumina o caminho a todos, vejo-o e temo-o como se me queimasse a pele e me juntasse às fileiras de autómatos que engrossam a cada segundo que as vislumbro a desaparecer no horizonte. No meu canto escuro procuro o conforto da cegueira mas sou traído por quem o habita. Pouco a pouco sinto a pele a endurecer querendo-se tornar no exoesqueleto que outrora me privou da riqueza e sabor das emoções verdadeiras, boas e dolorosas. Fito passivamente o verme que me envolve na sua seda para que no casulo volte a ser o que fora outrora. Frio, escorre pelo meu braço deixando os seus fios, levando as minhas sensações na sua marcha fúnebre. Grito aos meus braços para que o atirem de vez para o abismo de onde nunca deveria ter ressurgido, sinto-me impotente mas com esperança numa luzinha pequenina que brilha... não me cega nem me leva para o rebanho de inconscientes, desbrava caminho pelos folhos de peles que outrora vesti e vejo-me no centro desta amálgama de células mortas feto, limpo, frágil e deslumbrante. Como pôde tal ser sobreviver a tudo a que o expus? Atrás dele o monstro olha pacientemente para mim enquanto tento compreender como renascer de tanta podridão. Olho-o nos olhos e adivinho o ser que soterrei naquele monstro porque quis que ficasse ao meu lado, o quanto o privei da vida e do saber para que guardasse a porta de todos os verdadeiros monstros que habitam a minha segura e silenciosa escuridão. Sempre tive o meu lado negro bem perto do coração, mas nunca me tinha apercebido que tinha lá entrado, deixado marcas e gasto tempo que nunca mais vou recuperar. Ele já percebeu que o quero deixar ir, para onde quiser, mas não me deixa. Protege-me desde sempre e agora quer ver-me renascer e ser aquele que na sua mudança o vai levar ao repouso... poderei pedir que esperes pelo meu despertar? Já esperaste tanto...
D.M.
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